***
As
tuas mãos terminam em segredo.
Os
teus olhos são negros e macios
Cristo
na cruz os teus seios (?) esguios
E
o teu perfil princesas no degredo...
Entre
buxos e ao pé de bancos frios
Nas
entrevistas alamedas, quedo
O
vento põe seu arrastado medo
Saudoso
a longes velas de navios.
Mas
quando o mar subir na praia e for
Arrasar
os castelos que na areia
As
crianças deixaram, meu amor,
Será
o haver cais num mar distante...
Pobre
do rei pai das princesas feias
No
seu castelo à rosa do Levante!
***
INTERVALO
Quem
te disse ao ouvido esse segredo
Que
raras deusas têm escutado –
Aquele
amor cheio de crença e medo
Que
é verdadeiro só se é segredado?...
Que
to disse tão cedo?
Não
fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não
foi um outro, porque o não sabia.
Mas
quem roçou da testa teu cabelo
E
te disse ao ouvido o que sentia?
Seria
alguém, seria?
Ou
foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi
só qualquer ciúme meu de ti
Que
o supôs dito, porque o não direi,
Que
o supôs feito, porque o só fingi
Em
sonhos que nem sei?
Seja
o que for, quem foi que levemente,
A
teu ouvido vagamente atento,
Te
falou desse amor em mim presente
Mas
que não passa do meu pensamento
Que
anseia e que não sente?
Foi
um desejo que, sem corpo ou boca,
A
teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A
frase eterna, imerecida e louca –
A
que as deusas esperam da ledice
Com
que o Olimpo se apouca.
***
Dorme
enquanto eu velo...
Deixa-me
sonhar...
Nada
em mim é risonho.
Quero-te
para sonho,
Não
para te amar.
A
tua carne calma
É
fria em meu querer.
Os
meus desejos são cansaços.
Nem
quero ter nos teus braços
Meu
sonho do teu ser.
Dorme,
dorme, dorme,
Vaga
em teu sorrir...
Sonho-te
tão atento
Que
o sonho é encantamento
E
eu sonho sem sentir.
***
Dá
a surpresa de ser
É
alta, de um louro escuro.
Faz
bem só pensar em ver
Seu
corpo meio maduro.
Seus
seios altos parecem
(Se
ela estivesse deitada)
Dois
montinhos que amanhecem
Sem
ter que haver madrugada.
E
a mão do seu braço branco
Assenta
em palmo espalhado
Sobre
a saliência do flanco
Do
seu relevo tapado.
Apetece
como um barco.
Tem
qualquer coisa de gomo.
Meu
Deus, quando é que eu embarco?
Ó
fome, quando é que eu como?
***
Foi
um momento
O
em que pousaste
Sobre
o meu braço,
Num
movimento
Mais
de cansaço
Que
pensamento,
A
tua mão
E
a retiraste.
Senti
ou não?
Não
sei. Mas lembro
E
sinto ainda
Qualquer
memória
Fixa
e corpórea
Onde
pousaste
A
mão que teve
Qualquer
sentido
Incompreendido,
Mão
tão de leve!...
Tudo
isso é nada,
Mas
nunca estrada
Como
é a vida
Há
muita coisa
Incompreendida...
Sei
eu quando
A
tua mão
Senti
pousando
Sobre
o meu braço,
E
um pouco, um pouco,
No
coração,
Não
houve um ritmo
Novo
no espaço?
Como
se tu,
Sem
o querer,
Em
mim tocasses
Para
dizer
Qualquer
mistério,
Súbito
e etéreo,
Que
nem soubesses
Que
tinha ser
Assim
a brisa
Nos
ramos diz
Se
o saber
Uma
imprecisa
Coisa
feliz.
***
A
OUTRA
Amamos
sempre no que temos
O
que não temos quando amamos.
O
barco pára, largo os remos
E,
um a outro, as mãos nos damos.
A
quem dou as mãos?
À
Outra.
Teus
beijos são de mel de boca,
São
os que sempre pensei dar,
E
agora a minha boca toca
A
boca que eu sonhei beijar.
De
quem é a boca?
Da
Outra.
Os
remos já caíram na água,
O
barco faz o que a água quer.
Meus
braços vingam minha mágoa
No
abraço que enfim podem ter.
Quem
abraço?
A
Outra.
Bem
sei, és bela, és quem desejo...
Não
deixe a vida que eu deseje
Mais
que o que pode ser teu beijo
O
poder ser eu que te beije.
Beijo,
e em quem penso?
Na
Outra.
Os
remos vão perdidos já,
O
barco vai não sei para onde.
Que
fresco o teu sorriso está,
Ah,
meu amor, e o que ele esconde!
Que
é do sorriso
Da
Outra?
Ah,
talvez mortos ambos nós,
Num
outro rio sem lugar
Em
outro barco talvez sós
Possamos
nós recomeçar
Que
talvez sejas
A
Outra.
Mas
não, nem onde essa paisagem
É
sob eterna luz eterna
Te
achei mais que alguém na viagem
Que
amei com ansiedade terna
Por
ser parecida
Com
a Outra.
Ah,
por ora, idos remo e rumo,
Dá-me
as mãos, a boca, o teu ser.
Façamos
desta hora um resumo
Do
que não poderemos ter.
Nesta
hora, a única,
Sê
a Outra.
No
ouro sem fim da tarde morta,
Na
poeira de ouro sem lugar
Da
tarde que me passa à porta
Para
não parar,
No
silêncio dourado ainda
Dos
arvoredos verde enfim,
Recordo.
Eras antiga e linda
E
estás em mim...
Tua
memória há sem que houvesses,
Teu
gesto, sem que fosses alguém.
Como
uma brisa me estremeces
E
eu choro um bem...
Perdi-te.
Não te tive. A hora
É
suave para a minha dor.
Deixa
meu ser que rememora
Sentir
o amor,
Ainda
que amar seja um receio,
Uma
lembrança falsa e vã,
E
a noite deste vago anseio
Não
tenha manhã.
***
A
lembrança da canção,
Amor,
renova agora.
Na
noite, olhos fechados, tua voz
Dói-me
no coração
Por
tudo quanto chora.
Cantas
ao pé de mim, e eu estou a sós.
Não,
a voz não é tua
Que
se ergue e acorda em mim
Murmúrios
de saudade e de inconstância,
O
luar não vem da lua
Mas
do meu ser afim
Ao
mito, à mágoa, à ausência e à distância.
Não,
não é teu o canto
Que
como um astro ao fundo
Da
noite imensa do meu coração
Chama
em vão, chama tanto...
Quem
sou não sei... e o mundo?...
Renova,
amor, a antiga e vã canção.
Cantas
mais que por ti.
Tua
voz é uma ponte
Por
onde passa, inúmero, um segredo
Que
nunca recebi –
Murmúrio
do horizonte,
Água
na noite, morte que vem cedo.
Assim,
cantas sem que existas.
Ao
fim do luar pressinto
Melhores
sonhos que este da ilusão.
***
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