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domingo, 30 de outubro de 2011

Entrevista ao Dr. Jorge Humberto Dias

Entrevista ao Dr. Jorge Humberto Dias, que é um grande especialista na área da filosofia prática.

Qual entende ser o papel do filósofo no mundo social de hoje?
JD – Penso que a Filosofia Social é hoje uma área cada vez mais
importante. Com a complexificação do tecido social, sobretudo ao nível
das relações pessoais e institucionais, considero um bom investimento
profissional e social, por parte dos alunos universitários, a
especialização em Filosofia Social Aplicada. Tal como acontece noutras
áreas (académicas e profissionais), desde o Direito à Educação, passando
pelo Serviço Social, penso que é uma resposta extremamente actual e com
sentido, a Filosofia dedicar-se à análise e intervenção social, nos mais
variados domínios.
Para isso, necessitamos da articulação entre as ofertas universitárias
(que devem ser cada vez mais diversificadas, indo ao encontro dos
interesses dos alunos, assim como das reais necessidades das sociedades
e das pessoas), as entidades de estágio, as associações profissionais na
área da Filosofia e o mundo social em geral (empresas e organizações
não-governamentais, por exemplo).
O contributo do filósofo sempre foi importante para o debate de ideias,
para a formação das pessoas e para o desenvolvimento das organizações
sociais. No entanto, vivendo hoje num mundo cada vez mais tecnicizado e
profissionalizado, com fortes influências sociais e tecnológicas, os
licenciados em Filosofia deverão, também, obter formação especializada e
experiência profissional nas diferentes áreas de intervenção social.
Está aqui em causa a questão da habilitação profissional para uma
determinada função. Neste âmbito, sabemos que as instituições de
formação, em Portugal, estão ainda em processo de desenvolvimento, no
que diz respeito à implementação de cursos de formação inicial
(universitários) e de formação contínua (profissionais) e de grupos de
investigação académica/científica.

Em que consiste o aconselhamento filosófico?
JD – Trata-se de uma área de aplicação da Filosofia, que consiste
no fornecimento de um serviço especializado de aconselhamento, a
pessoas ou instituições/organizações, utilizando para isso o
domínio dos conhecimentos e dos métodos filosóficos, na abordagem
a uma determinada situação. Neste processo, é necessário dominar
competências de aconselhamento, assim como competências
filosóficas.
Tal como existem outros aconselhamentos, o jurídico, o financeiro, o
psicológico, o dietético, o empresarial, o imobiliário, o social, etc.,
também o Aconselhamento Filosófico pretende ajudar o seu cliente a
melhorar a sua situação concreta de vida. Em geral, o conselheiro
filosófico trabalha as várias dimensões filosóficas da vida e do
pensamento do cliente.

O que é que uma pessoa pode esperar quando se dirige a uma consulta de
aconselhamento filosófico?
JD – O consultante, quando procura um serviço de aconselhamento,
pretende obter uma espécie de ajuda. Actualmente, em Portugal, já muitas
pessoas conhecem o tipo de serviço que o Aconselhamento Filosófico pode
fornecer. No entanto, ainda é frequente encontrar pessoas, com problemas
específicos da sua situação de vida e/ou da sua subjectividade, e que
depois de terem experimentado outros tipos de ajuda, decidem
experimentar a ajuda filosófica. Estas, na sua larga maioria,
desconhecem a metodologia de trabalho utilizada pelo conselheiro
filosófico.
Por outro lado, já vamos encontrando em Portugal consultantes que
procuram intencionalmente este tipo de serviço, pois têm noção da sua
utilidade nas suas vidas/pensamento.
Podemos ver alguns exemplos: a felicidade é, quanto a mim, um problema
humano e filosófico, que poderá levar um consultante a solicitar os
serviços de um conselheiro filosófico, e o qual poderá ser útil na
reflexão metodológica sobre o problema, pois a concepção de felicidade
tem uma relação única e insubstituível com a concepção de vida do
consultante.
Problemas relacionados com o sentido da vida e da morte, com a
compreensão relativa a um conflito de valores, com a interpretação
relativa a um conjunto de ideias e acções, com a análise de uma situação
pessoal complexa, etc.
Hoje, vemos empresas a contratar licenciados em Filosofia, pois conhecem
os benefícios que o trabalho filosófico pode ter na gestão empresarial,
desde as questões éticas/deontológicas às questões de recursos humanos,
de filosofia da empresa, de qualidade, etc.

O que é o método “PROJECT@”?
JD – É uma forma de trabalhar a consulta filosófica. Ao longo da minha
carreira como Consultor Filosófico, fui-me apercebendo de alguns
instrumentos específicos e próprios que utilizava nas consultas
individuais e organizacionais. Aos poucos fui escrevendo e
esquematizando esses instrumentos, pois considero fundamental
partilhá-los com os colegas de profissão, assim como com os leitores
interessados em conhecer e explorar esta área de trabalho.
PROJECT@ é assim uma metodologia criada para o desenvolvimento da
consulta filosófica individual, embora possa ser adaptada à consulta
organizacional. Tal como acontece em todas as criações, as influências
são várias: a filosofia dos clássicos antigos (o questionamento de
Sócrates sobre as ideias essenciais da vida, a metodologia sistemática
de Aristóteles, os conselhos de Epicuro, Séneca, Epicteto e Marco
Aurélio), a filosofia do existencialismo (escola que desenvolveu várias
análises sobre a existência humana em geral, embora alguns autores
tenham abordado, mais em específico, alguns tópicos como por exemplo, a
liberdade, a responsabilidade, o sentido da vida, a felicidade, o
suicídio, a morte, os projectos, etc.), a filosofia vitalista
(nomeadamente de autores espanhóis, como Ortega e Gassett e Julián
Márias) e o movimento contemporâneo da Philosophical Practice, iniciado
em 1981 por Gerd Achenbach (com os seus diversos projectos: gabinete de
consulta filosófica, centro de formação de praticantes de filosofia e
associação nacional e internacional de filosofia prática) e nos anos 90
com Lou Marinoff e Ran Lahav (com a organização do primeiro congresso
internacional de prática filosófica).

O aconselhamento filosófico é uma alternativa à psicologia e à
psiquiatria?
JD – De facto, alguns autores têm abordado o Aconselhamento
Filosófico partindo de uma comparação com as ciências da psique.
No que diz respeito ao meu ponto de vista, já em várias
entrevistas me posicionei em relação a este tema: penso que
estamos perante áreas diferentes e que utilizam conceitos e
metodologias diferentes. Entendo que possam existir alguns autores
a explorar o facto de alguns filósofos, no passado, terem dedicado
os seus estudos às três áreas em conjunto. Mas com a
especialização de cada área, na época contemporânea, já não faz
sentido confundirmos Filosofia, Psicologia e Psiquiatria. São
áreas que trabalham de modo diferente e que tratam problemas
diferentes. No entanto, há uma questão que pode ser pertinente
analisar, que é a utilidade que cada uma pode ter no processo de
ajuda a um determinado consultante. Também poderá ser objecto
interessante para a investigação académica, a definição clara de
qual a área indicada para trabalhar a situação concreta do
consultante que decide solicitar os serviços de um destes
profissionais: consultor filosófico, psicólogo ou psiquiatra.
Para terminar a minha resposta a esta pergunta, recordo umas jornadas de
saúde e de toxicodependência, em que participei como conferencista
convidado, no painel dedicado ao trabalho da ética em equipas
multidisciplinares. Com este exemplo, pretendo transmitir a minha
posição, ou seja, penso que na actualidade, os problemas das pessoas e
das organizações são tão complexos, que só um trabalho de equipa,
composto por profissionais de diferentes áreas, poderá ajudar a
desenvolver novas formas de gestão, resolução, etc.

Quer-nos falar sobre a filosofia para crianças, os cafés filosóficos,
filosofia na empresa, e pertinência destas actividades na sociedade?
JD – Penso que essas actividades têm de ser organizadas de acordo
com os interesses dos eventuais participantes. E claramente,
dependem dos objectivos estabelecidos pelo facilitador. Se o
público-alvo fôr o cidadão comum, então o filósofo terá de adaptar
a sua linguagem e metodologia, de modo a que todo o trabalho seja
perceptível e possa vir a resultar em utilidade. Por outro lado,
se o público-alvo fôr o próprio filósofo, isto é, em que o
objectivo seja a formação interpares, então os instrumentos
técnicos deverão ser suficientemente pertinentes...
Fonte: http://blog.domingosfaria.net/2009/08/filosofia-pratica.html

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